A Era dos Humanos, por Luiz Gonzaga Pereira

Luiz Gonzaga Alves Pereira*

O valor efetivo do patrimônio representado pelos ecossistemas, biomas, biodiversidade e recursos naturais, nunca computado no PIB dos países, é enfatizado no relatório sobre Contabilidade Ambiental no Brasil e América Latina, divulgado em abril. O trabalho, coordenado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e elaborado pelo Centro de Monitoramento da Conservação Mundial (WCMC), deixa claro que os ativos da natureza e a qualidade do habitat têm valor tangível e, mais do que isso, são fundamentais para a economia sustentável e um futuro viável para a Terra.

A importância do tema é tamanha, que o relatório indica que a maneira como se está lidando com a questão ambiental significa o ingresso em um período geológico inteiramente novo, o Antropoceno, ou Era dos Humanos. A ousada definição é, a rigor, um alerta para que todos os países redefinam suas estratégias e agendas para o desenvolvimento, levando em conta os riscos aos quais o planeta tem sido exposto pelas atividades implementadas pelo homem.

Considerando que a contabilidade ambiental visa computar os ativos da natureza, como a água, as florestas e a energia, de modo a dimensionar os benefícios que proporcionam à economia e à sociedade, creio ser oportuno avaliar a questão sob o prisma ecológico urbano, meio no qual vive a grande maioria dos habitantes da Terra. A ONU estima que, em 2050, mais de 70% da população mundial estará nas cidades, cujo impacto é grande nos recursos hídricos, biodiversidade, ecossistemas e biomas.

Esse recorte analítico é pertinente porque o Brasil tem oportunidade histórica de promover expressivo avanço no meio ambiente urbano, com a sanção do renovado Marco do Saneamento (Lei 14.026/2020) e a manutenção, em março último, pelo Congresso Nacional, dos vetos presidenciais a itens que mitigavam sua eficácia.

A Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (ABETRE) lutou muito para a aprovação e manutenção do texto em consonância com os interesses maiores da sociedade, da sustentabilidade e da economia nacional.

A síntese de como ficou a parte mais importante da lei evidencia como pode ser efetiva e ampla sua contribuição para a melhoria ambiental das cidades e, portanto, das extensas áreas não urbanas influenciadas por elas: todos os serviços de água, esgoto, coleta, tratamento, transporte e destinação final de resíduos deverão ser objeto de licitações públicas, com livre participação da iniciativa privada. Também é garantida a viabilidade econômico-financeira dessas atividades, com a possibilidade de tarifas, como as que já pagamos pela água, energia elétrica, gás, internet e telefonia, por exemplo.

Depois de esperar quatro décadas por uma solução ambientalmente adequada para o meio urbano, a sociedade brasileira tem a oportunidade de resolver a precariedade sanitária que atinge 100 milhões de pessoas. São 35 milhões que ainda não têm acesso à água potável e precisam deste serviço e quase 70 milhões que continuam convivendo com lixões existentes em mais de 3,2 mil cidades. Estes insalubres e anacrônicos receptáculos precisam ser extintos de imediato. Tal perspectiva torna-se mais viável agora, com um adequado marco regulatório, que possibilita participação livre da iniciativa privada nas licitações, acabando com os antigos contratos de programa, que, na verdade, eram atestados de autorização para o oligopólio das companhias públicas.

Que a Era dos Humanos seja para os brasileiros um período não de avaliação de riscos medidos pela contabilidade ambiental, mas sim um período histórico delimitado pelo advento de cidades mais sustentáveis e capazes de proporcionar vida de melhor qualidade aos seus habitantes.

*Luiz Gonzaga Alves Pereira é o presidente da ABETRE (Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes).